Fragmento:
Examinou
o terreiro, viu Baleia coçando-se a esfregar as peladuras no pé de turco, levou
a espingarda ao rosto. A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no
tronco e foi-se desviando, até ficar no outro lado da árvore, agachada e
arisca, mostrando apenas as pupilas negras. Aborrecido com esta manobra,
Fabiano saltou a janela, esgueirou-se ao longo da cerca do curral, deteve-se no
mourão do canto e levou de novo a arma ao rosto. Como o animal estivesse de
frente e não apresentasse bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar
às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os
quartos traseiros e inutilizou uma perna de Baleia, que se pôs a latir desesperadamente.
Questões:
1. A
atitude de Fabiano é um ato humanitário?
2. No
trecho, há uma animalização do personagem, a qual se contrapõe a relativa
humanização da Baleia?
3. O
cenário apresentado relata fielmente a vida na seca e as condições sociais do
Nordeste brasileiro?
4. Existiu
tentativa de homicídio por parte de Fabiano?
Maldita seca que racha o chão de meu querido
sertão
Que afasta seus filhos
Dor tão doida de deixar a terra natal
Terra tão querida
Ao mesmo tempo tão árida
Árida como os rostos que vejo nas janelas
A olhar o céu...
Que afasta seus filhos
Dor tão doida de deixar a terra natal
Terra tão querida
Ao mesmo tempo tão árida
Árida como os rostos que vejo nas janelas
A olhar o céu...
No que pertine a temática levantada nos trechos
acima, percebe-se a dura realidade da seca e as reações causadas em decorrência
da terra infértil, bem como de todo o cenário de inquietações, incertezas e
angustias humanas, capazes de culminar em momentos de animalização ou
coisificação do próprio ser humano, como nos trechos: “Ao
chegar às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou
os quartos traseiros e inutilizou uma perna de Baleia (...)”, bem como em:
“Árida como os rostos que vejo nas janelas”.
E,
ainda, pode-se encontrar atribuições de características humanas a animais ou
coisas: “A cachorra espiou o dono desconfiada”, e “A carga alcançou os quartos
traseiros e inutilizou uma perna de Baleia, que se pôs a latir
desesperadamente”.
No
trecho de Ramos (1938), diferentemente do que ocorre no poema de Pessôa - em
que há uma comparação entre o homem e os fatores naturais e inominados da seca,
o que perdura é as nuanças comportamentais de Fabiano e de Baleia, enquanto
aquele se aproxima de atitudes desumanas, essa se enche de dissabores próprios
da humanidade (utilização de prosopopeia e metáforas). Interessante ainda
perceber que, os verbos empregados nas passagens de Fabiano: examinou,
aborrecido, saltou, adiantou-se, dentre outros, retratam movimentos de caça,
que são ratificados pela expressão repetida: “levou a espingarda ao rosto”,
fator esse que circunda todo o capitulo ‘Baleia’, o momento de reconhecimento,
outro de ação, o momento de fuga, o de recolhimento à morte, dentre outros. A
prosa, albergada em terceira pessoa, traz diversos demonstrativos de elementos
típicos do sertão: ‘pé de turco’, ‘cerca do curral’, ‘catingueiras’, etc. O
trecho escolhido inicia um contexto trágico à Baleia, e propicia a indagação do
que move o homem diante das dificuldades da seca. Nos dizeres de Sarmento
(2011):
(...) o interesse
crítico continuamente despertado por essa obra, indo da leitura mais vinculada
às posições da esquerda até chegar mesmo a uma visão neoliberalizante do
problema. Com isso quero dizer que, utopias à parte, pode-se não ver saída, a
não ser do ponto de vista do imaginário (a única saída permitida a tais
personagens), para aquela família de retirantes, em uma existência francamente
hostil, que recebe, no entanto, a simpatia de um narrador complacente, que,
ainda assim, não abdica da visão de um sujeito que nunca teve de passar por
aquela situação e por isso resguarda sua superioridade interpretativa.
Já
no concernente ao poema de Pessôa há, inicialmente, o apego a ‘maldição do
sertão’: “Maldita seca que racha o chão”, e suas consequências: afastamento dos
filhos. Em seguida, a autora utiliza-se da repetição de flexões da palavra
‘dor’, enfatizando a dificuldade de deixar a terra de nascituro, devido a
situação posta pela seca. Interessante observar que, a expressão: “Terra tão
querida”, quando da construção do poema, encontra-se no meio dos demais versos,
e abranda os acontecimentos anteriores, bem como o posterior, opondo-se a esse:
“Ao mesmo tempo tão árida”. Posteriormente, tem-se: “Árida como os rostos que
vejo nas janelas”, a seca caricata no rosto dos retirantes, as expressões
marcadas pelas cisões da vida, o caminhar continuo de uma rachadura que só
tende a abrir mais, os rostos carregam as perdas de pessoas, propriedades,
animais, etc. E, como desfecho, apresenta-se a passagem: “A olhar o céu...”,
com isso, pode-se inferir que, ao sertanejo ainda resta o azul do céu, que
remete a esperança, diante de toda situação ainda se faz valido olhar para o
céu e manter a crença em dias melhores, uma vez que, a vida não teve fim e a
vivência da seca é um circulo dinâmico, tal qual atribui a continuidade
proveniente das reticências.
Bibliografia:
PESSÔA, Letícia. Disponível em: http://pensador.uol.com.br/autor/leticia_pessoa/
Acesso em: 05 de fevereiro de 2013.
RAMOS, Graciliano. Vidas
secas, 82ªed. Rio de Janeiro: Record. 2001. p. 85-91.
SARMENTO,
Roberto (07/04/2011). Professor Doutor. Entrevista
a Leonardo Campos sobre a obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos. 2011.
Disponível em: http://www.passeiweb.com/saiba_mais/atualidades/1244551152
. Acesso em: 05 de fevereiro de 2013.